Poeta castrado não...

19-07-2014 22:35
"Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo   dromedário
fogueira de exibição
teorema   corolário
poema de mão em mão
lãzudo   publicitário
malabarista   cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado   não!
 
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura  como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que   se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.
 
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
 
Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
 
Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
 
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
 
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo   mau profeta
falso médico   ladrão
prostituta   proxeneta
espoleta   televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado   não!"
 
(Ary dos Santos)