É a voz estrondosa do mar,
furioso, desgastado,
oiço-a aqui no meu segundo andar,
grita insano, descontrolado.
Está possesso com o mundo,
devasta tudo à sua passagem,
na areia peixes moribundos,
já sem força para uma nova viagem.
Está agreste e revolto,
quer tomar conta do que não é seu,
imparável, sente-se solto,
brade aos céus tentando perceber o que aconteceu.
Não tem limites nem conhece fronteiras,
não há nada no caminho que o faça parar,
sente os paredões como coleiras,
obstáculos que só servem para o atrapalhar.
Não gosta de ser desviado,
não quer a intervenção humana,
dos poucos que o hão desafiado
nenhum sobreviveu a essa gincana.
Mar intenso e prepotente,
que não se deixa travar,
está mesmo à minha frente
mas não me atrevo a lá chegar.
Oiço o que diz com atenção,
tento perceber a sua angústia,
passei o fim de ano na sua imediação
fiz-lhe um pedido cheio de argúcia.
Mar que fala de forma ruidosa,
que está a processar o meu pedido,
da minha janela uma vista airosa,
no meu peito um coração nada desprendido...
(Mafalda)