Deixa-me partir...
Que irritação constante,
querer apagar e não conseguir,
tudo me persegue de uma forma penetrante,
oiço sempre o que não quero ouvir.
Pequenas coisas do quotidiano,
músicas, sons, expressões,
como eu queria que o mundo fosse plano
para não ter de andar aos trambolhões.
Não me mostres o que não quero ver,
não me obrigues a recordar,
por favor deixa-me permanecer
na casa a que eu chamo o nosso Lar.
Não me faças andar na rua,
deixa-me só e em paz,
porque recordar em nada atenua,
e assim esquecer... não sei se serei capaz.
Quero guardar bem no meu interior
tudo o que me fez feliz um dia,
mas preciso de mostrar ao mundo exterior
que sem ti também tenho alegria.
É teatro, eu sei,
mas tenho de me mostrar assim.
Já muito preocupei
quem verdadeiramente gosta de mim.
Custa-me muito mostrar que dou pouca importância,
ao melhor sentimento que alguma vez senti,
mas de que adianta mostrar a minha itinerância,
de que adianta dizer que não sei viver sem ti?
Estás na tua vida, como escolheste,
a opção foi apenas tua.
Se agora percebes o que perdeste...
Faz as malas e vem para a rua.
Mas enquanto não o fizeres deixa-me respirar,
deixa-me dormir um sono descansado,
não faças com que tenha de escutar
um coração que está demasiado afastado.
A nossa empatia sempre foi imensa,
falávamos sem ser preciso falar,
mas agora entre nós há uma neblina muito densa
e precisas de te convencer que tens de me libertar.
Não me prendas mais,
deixa-me partir.
Esquece os teus sentimentos reais,
ou então decide-te a vir.
Assim não posso continuar,
quero afastar-me e tu não o permites.
Por favor deixa de me preservar,
deixa-me ultrapassar todos os limites.
Não me chames durante o meu sono,
não penses em mim de madrugada,
se me deixaste totalmente ao abandono,
porque insistes nesta charada?
(Mafalda)