Apetece-me partir...

03-05-2015 11:09
Que mania ser-se carente
De um mimo, de um abraço,
Isso só se passa com gente
E isso é sempre o que eu faço.
 
Necessidade de contato humano,
Vontade de ter quem me oiça,
Mas tudo acaba sempre em dano
Quando alguém se lembra de partir a loiça.
 
Que mania de mostrar o que nos vai na alma,
De dar trunfos a quem não os pede,
Tenho de viver a vida com mais calma,
Mas o raio do coração sempre o impede.
 
Agarra-se a coisas difíceis,
Pensando que é importante para elas,
Sentimentos são usualmente perecíveis
Mas deixam sempre demasiadas sequelas.
 
Há telefones que estão mudos,
Chat’s que não têm retorno,
E depois voltam os dias sisudos
E o olhar volta a ficar tristonho.
 
Que mania de ser “boa”,
De tentar exaustivamente entender o outro lado,
Para evitar que doa
Nada melhor do que se ficar afastado.
 
Por muito que isso me custe,
Por muito que deseje o contrário,
Não há homem nenhum que não se assuste
Com o meu carinho diário.
 
Não vale a pena!
Não sigam isto como lei,
Mas a vida é demasiado pequena
E ao fim de meio século ainda só sei que nada sei.
 
Passo dias sem falar,
Com um cão como companhia,
Mato-me a trabalhar
Para não pensar em demasia.
 
É esta a minha realidade,
De nada adianta fugir ou negar,
A esperança é que dada a minha idade
Pouco mais devo ter de suportar.
 
Às vezes apetecia-me que fosse rápida,
Essa travessia para a paz prometida,
Tenho uma vida demasiado árida,
Onde poucos se importariam com uma despedida.
 
Faço falta a quem me rodeia,
A quem é do meu sangue por herança ou opção,
De resto não sou das que incendeia
Quem eu desejo de coração.
 
Seria um descanso para o homem,
Saber que eu deixei de existir,
As minhas palavras consomem
O oxigénio em que ele gosta de se divertir...
 
(Mafalda)